Quatro décadas após a realização do primeiro festival Videobrasil, nos derradeiros anos da ditadura civil-militar que assolou o Brasil, a 22ª Bienal Sesc_Videobrasil | Especial 40 anos ocupa o Sesc 24 de Maio entre os dias 18 de outubro de 2023 e 25 de fevereiro de 2024. Sob o título A memória é uma ilha de edição, a mostra dialoga com esta longa trajetória do evento, ao mesmo tempo que reflete o momento presente do mundo e aponta para caminhos futuros, através de trabalhos de 60 artistas do Sul Global.

Com direção artística de Solange Oliveira Farkas e curadoria do brasileiro Raphael Fonseca e da queniana Renée Akitelek Mboya, a 22ª edição é resultado da parceria entre o Sesc SP e a Associação Cultural Videobrasil. Pensado a partir de um verso de Waly Salomão, o recorte curatorial apresenta diferentes visões e modos de lidar com a memória – e o esquecimento –, seja individual ou coletiva, ligada a contextos sociais, políticos e culturais variados. As diversas ideias de memória que surgem na Bienal variam não apenas de acordo com a geração dos artistas participantes, mas também de sua origem geográfica e das mídias e suportes que utilizam – como vídeo, instalação, fotografia, performance e têxtil.

O Sul Global que surge na edição, com artistas de 38 países da África, Américas (Sul, Central e Norte), Ásia, Europa (Leste e Portugal), Oriente Médio e Oceania – entre eles representantes de povos originários – reflete também o contexto global pós-pandêmico. Com espaço significativo para as linguagens audiovisuais, a partir da percepção do papel central que o vídeo ocupa na vida contemporânea, a edição traça um diálogo direto com os primórdios do Videobrasil. Assim, celebra as suas quatro décadas com a mostra paralela Especial 40 anos, no 4º andar do Sesc 24 de Maio, que percorre toda a história do evento e as suas transformações ao longo do tempo.

Mais do que um grande evento, a 22ª Bienal Sesc_Videobrasil se coloca como uma plataforma de geração de conhecimento e de criação de redes em territórios marginalizados no mapa mundial das artes. Neste sentido, uma série de programas públicos serão realizadas ao longo do evento. Convidamos a todos para visitar o Sesc 24 de Maio, acompanhar as atividades e navegar pelo nosso site e redes sociais, que serão constantemente atualizados.

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CURADORES CONVIDADOS

Raphael Fonseca, Rio de Janeiro, 1988

Pesquisador nas áreas de história da arte, crítica, curadoria e educação. Tem interesse especial pelas relações entre arte, cultura visual e história em suas diversas concepções. A justaposição de diferentes temporalidades e a forma como isso pode suscitar reflexões contemporâneas para o público é de grande importância em sua prática. Humor, absurdo, cultura pop e a compreensão de que uma exposição se relaciona com as ideias de instalação, cenografia e espetáculo tem crescido dentre seus interesses de pesquisa. É o primeiro curador de arte latino-americana moderna e contemporânea no Denver Art Museum, nos Estados Unidos. Trabalhou como curador do MAC Niterói entre 2017 e 2020. Doutor em Crítica e História da Arte pela UERJ, recebeu o Prêmio Marcantonio Vilaça de curadoria (2015). Entre suas exposições recentes estão Who tells a tale adds a tail (Denver Art Museum, 2022), Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil (Sesc 24 de Maio, 2022), The silence of tired tongues (Framer Framed, Amsterdã, Holanda, 2022), Sweat (Haus der Kunst, Munique, Alemanha, 2021-2022), Vaivém (Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, 2019-2020), Lost and found (ICA Singapore, 2019), Sonia Gomes – a vida renasce, sempre (MAC Niterói, 2018) e The sun teaches us that history is not everything (Osage Art Foundation, Hong Kong, 2018).

Renée Akitelek Mboya, Nairóbi, 1986

É escritora, curadora e cineasta. Seu trabalho se baseia na biografia e na contação de histórias como forma de pesquisa e produção. Renée está atualmente preocupada em olhar e falar sobre imagens e as formas como elas são produzidas, mas especialmente como elas passaram a desempenhar um papel crítico como evidência da paranoia branca e como expressões estéticas da violência racial. Frente a isso, Renée busca entender melhor as maneiras pelas quais tais imagens são usadas para reforçar a narrativa institucionalizada do corpo racializado como um constante perigo à lei. Entre seus projetos mais recentes estão Sweet Like Honey (Northern Corner Gallery, Musanze, 2022) e A Glossary of Words My Mother Never Taught Me (Cell Project Space, Londres, 2021). Renée trabalha entre Kigali e Nairóbi e é editora colaborativa do Wali Chafu Collective.

 

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PARTIDO CURATORIAL – “A MEMÓRIA É UMA ILHA DE EDIÇÃO” 

“A memória é uma ilha de edição – um qualquer / passante diz, em um estilo nonchalant, / e imediatamente apaga a tecla e também / o sentido do que queria dizer”. Com esses versos, o poeta brasileiro Waly Salomão (1943-2003) inicia o poema Carta aberta a John Ashbery, de 1995. A icônica frase vai ao encontro do tom de celebração desta edição do Videobrasil, que completa quarenta anos. Faz-se necessário, portanto, não apenas refletir sobre tempo e memória, mas revisitar a importância do vídeo nestas quatro décadas. Se em 1983 ele era associado sobretudo ao poder concentrado da televisão, hoje, seguindo a lógica do poeta, tendemos a editar nossa própria memória com a ponta dos dedos.

Leiamos com atenção sua frase: como se dá a equação entre lembrança e esquecimento? O que cortaríamos e o que inseriríamos em nossas memórias? Quais dos angustiantes acontecimentos que nos afetaram coletivamente desde a última edição do Videobrasil, em 2019, merecem análise minuciosa, como no trabalho em uma ilha de edição? Quais são as fronteiras éticas de um corte? Quem detém o poder de fazê-lo? Como uma sequência de imagens pode revisitar narrativas que dizem respeito a uma família, nação, região? Como forjar a memória do que não vimos ou sentimos no corpo? Quais são os limites da memória?

Recebemos 2.726 inscrições da região geopolítica que convencionamos chamar de Sul Global. Apresentamos nesta ocupação do Sesc 24 de Maio obras de cerca de 70 artistas e coletivos que, de formas dissonantes, refletem a respeito das articulações entre imagem, memória, manipulação, ficção e esquecimento. Eles vêm de países tão diferentes como Colômbia, Curaçau, Estônia, Iraque e Nova Zelândia. Longe, porém, de tentar ilustrar narrativas formadoras da ideia de nação e pertencimento, estes criadores de imagens preferem bagunçar a imaginação do público e as expectativas em torno de seus lugares de origem.

Historicamente, como seu nome diz, o Videobrasil se concentrou em compartir e debater o audiovisual. Aqui, dando prosseguimento à ampliação de linguagens iniciada em 2011, o espectador encontra fotografia, gravura, desenho, pintura, escultura e instalação; sim, o vídeo ainda predomina, mas as formas como é compartilhado variam. Não seria oportuno oferecer experiências fruitivas do vídeo que respondem não apenas às renovações tecnológicas recentes, mas também a reflexões sobre seus aparatos já históricos? Em um ano de revisão das quatro décadas do evento, os visitantes serão estimulados por flashes, ruídos e movimentos em salas escuras, televisores de tubo, videowalls, painéis de LED, tablets e projetores.

A 22ª Bienal Videobrasil é resultado do trabalho dedicado não apenas dos artistas que a compõem, mas de uma equipe de profissionais que vem se preparando ansiosamente para este momento nos últimos anos. Assim como qualquer outra exposição, é um conjunto de efemeridades que um dia serão elementos de narrativas articuladas em novas ilhas de edição. Na incerteza da duração dessas memórias vindouras, aproveitemos esses meses da bienal e gozemos das visões existenciais aqui trazidas no calor da hora por meio de suas exposições e programas públicos. 

Todo fim é um começo que é outro fim; eis a serpentina das curvas de idas-e-vindas que constituem nosso cérebro, as fitas VHS e os discos rígidos. Quando esvairmos, assim como tantos artistas já nos ensinaram, talvez restem as reproduções e cópias de exibição destes trabalhos – talvez! Se essas imagens não resistirem materialmente ao tempo, teremos nossa boca para relatá-las. 

Enquanto houver vida, haverá memória.

Raphael Fonseca e Renée Akitelek Mboya

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SESC 24 DE MAIO

Jardim da Piscina, Sesc 24 de Maio, Rua 24 de Maio 109, Centro, São Paulo. Crédito: ​​© Alberto S. Cerri.
 
 

Inaugurado em 2017, o Sesc 24 de Maio é localizado em uma região nevrálgica do centro de São Paulo, na esquina da Rua 24 de Maio com a Rua Dom José de Barros, perto do Vale do Anhangabaú e do Teatro Municipal, da Praça da República e de edifícios icônicos da cidade, como Esther, Itália e Copan. O projeto de adaptacão, realizado por Paulo Mendes da Rocha junto ao Estúdio MMBB Arquitetos, abraça 27 mil metros quadrados de área coberta, e contribui na recuperação dessa área notável da cidade.